Batom.
Caçando algo dentro da bolsa ela andava sem olhar pra frente.
"Essas maxibolsas de hoje em dia são verdadeiros porões de bagunça. Um batom jogado lá dentro e o que vai acontecer é que você nunca mais vai tê-lo em seus lábios. Acredite. Opte por bolsas pequenas."
Passando em frente ao cinema, olhava com o canto dos olhos para os filmes que estavam em cartaz. Ainda não achado o que procurava em sua bolsa, decidiu parar. Sentar. Procurar uma mesa para sentar, jogar a bolsa em cima da mesa (e escutar o barulho de moedas, brincos, carteira, guarda-chuva, toda a sua tranqueira esbarrando no vidro da mesa. um grande barulho e o vidro só não quebra porque a tecnologia tratou de criar os vidros temperados.) e com calma, muita calma, retirar tudo (ou então tudo o que fosse possível de ser colocado em cima da mesa - ou melhor, do pouco espaço que sobrava, afinal aquela bolsa gigante estava ali e definitivamente ela ocupava um grande espaço na superfície da mesa.) e finalmente encontrar o que tanto procurava (e que deveria de fato ser muito pequeno, tipo um batom).
"Oi Marina! Então, me desculpa. Estou atrasada porque eu não consigo achar a chave do meu carro. Eu joguei na bolsa e não acho! Sim, eu tô no cinema, mas assim que achar a chav... Hã? Ah, tá. Sim, sei, eu pego sim, pode deixar. Tá... ok. Beijo, até."
O telefone tocou. O celular foi rapidamente encontrado por causa do seu toque extremamente alto e inapropriado para lugares lotados. É muito feio o telefone tocando alto em lugares públicos. Ela atendeu, trocou algumas palavras e quando desligou o celular olhou para o relógio e se tenho uma boa máquina leitora de pensamentos, o que ela teria dito naquela hora foi:
- Caralho, estou super atrasada. Cadê a porra do batom?
Sim, ela mentiu. Não eram as chaves que a impediam de entrar na porcaria do carro, jogar a bolsa no banco de trás (isso se ela sem querer não a jogasse em cima do vidro e então o quebrasse [os vidros do carro não são de vidro temperado, são?] e então se atrasar um pouco mais. e sim, aquela bolsa continha material o suficiente para quebrar o vidro do carro), botar a chave no contato, mudar a marcha, acelerar e pronto. ir. Apenas ir e chegar onde quer que fosse que ela precisava. É tão fácil ir e vir hoje em dia e a desgraçada perdia tempo por não encontrar o batom. Mas ela está certa. Ficou duas horas sentada na sala de cinema, comendo pipoca, engordurando os dedos e fodendo o batom. Ela tem a obrigação de se retocar. Ela precisa. pre-ci-sa. daquele batom. É urgente, gente. Socorro.
Esse tipo de gente não está muito percebendo as pessoas a sua volta. Elas andam pelos lugares mais lotados e estão sempre compenetradas no interior de suas bolsas, no tecladinho do seu celular ou em coisas mais. Preocupadas com algo, sempre, e não conseguem ver o mundo. Vêem, mas não observam. Apenas passam. A verdade é que elas só olham pra atravessar porque senão elas podem morrer. E quando dirigem elas só olham para ver se o caminho está livre porque atropelar alguém não seria nada legal, muito pior mesmo seria bater o carro, e então elas prestam atenção. O mínimo, mas prestam. E toda atenção vai embora, claro, como sempre, depois de alguns drinks, e aí vocês sabem o que acontece. Obrigado por morrerem em seus acidentes cinematográficos, queridos. Nós, jornalistas, agradecemos pois afinal, sem a sua grandiosa morte não teríamos uma matéria para redigir.
A verdade é que a tia da maxibolsa deveria carregar uma bolsa menor porque então ela juntaria menos tralha e seria fácil pra ela encontrar o seu batom e estar pronta para ir onde ela precisava ir. E sendo mais fácil se maquear, talvez ela não estaria tão atrasada e ela não precisaria mentir e o grande momento seria: ela saindo do cinema, andando tranqüila com sua bolsa pequena no ombro, os lábios bem pintados, a chave do carro na mão e o telefone em silêncio guardado num bolsinho especial, as outras pessoas do shopping estariam todas apressadas e ela olharia para elas e pensaria "quanta pressa, gente! calma, o mundo há de esperar", e um grande sorriso no seu rosto, o ar condicionado é perfeito, o chão brilha de tanta limpeza, as lojas emanam músicas-ambiente super relaxantes, e nas vitrines tudo é tão barato, sempre 50% off. E ai, que mundo lindo! Ela sentaria no seu carro e colocaria a bolsa no banco do carona, se olharia no espelho retrovisor. O batom perfeito. Dedos sem gordura, lábios lindos, cabelo penteado. No relógio a hora é apenas números que orientam a sua rotina, e não mais aqueles monstros em forma de numeral que gritam VOCÊ ESTÁ ATRASADA, ACELERE! e que mudam rapidamente como uma cronômetro de uma bomba. Ela chegaria sem estar atrasada, limpa e radiante.
"É fácil facilitar as coisas, gente. Parem com isso. Parem com tudo. Pára, por favor. Pára."
Hoje em dia ela é palestrante em um grupo de apoio a mulheres que não sabem organizar as suas vidas, mas sempre chega atrasada.
"Essas maxibolsas de hoje em dia são verdadeiros porões de bagunça. Um batom jogado lá dentro e o que vai acontecer é que você nunca mais vai tê-lo em seus lábios. Acredite. Opte por bolsas pequenas."
Passando em frente ao cinema, olhava com o canto dos olhos para os filmes que estavam em cartaz. Ainda não achado o que procurava em sua bolsa, decidiu parar. Sentar. Procurar uma mesa para sentar, jogar a bolsa em cima da mesa (e escutar o barulho de moedas, brincos, carteira, guarda-chuva, toda a sua tranqueira esbarrando no vidro da mesa. um grande barulho e o vidro só não quebra porque a tecnologia tratou de criar os vidros temperados.) e com calma, muita calma, retirar tudo (ou então tudo o que fosse possível de ser colocado em cima da mesa - ou melhor, do pouco espaço que sobrava, afinal aquela bolsa gigante estava ali e definitivamente ela ocupava um grande espaço na superfície da mesa.) e finalmente encontrar o que tanto procurava (e que deveria de fato ser muito pequeno, tipo um batom).
"Oi Marina! Então, me desculpa. Estou atrasada porque eu não consigo achar a chave do meu carro. Eu joguei na bolsa e não acho! Sim, eu tô no cinema, mas assim que achar a chav... Hã? Ah, tá. Sim, sei, eu pego sim, pode deixar. Tá... ok. Beijo, até."
O telefone tocou. O celular foi rapidamente encontrado por causa do seu toque extremamente alto e inapropriado para lugares lotados. É muito feio o telefone tocando alto em lugares públicos. Ela atendeu, trocou algumas palavras e quando desligou o celular olhou para o relógio e se tenho uma boa máquina leitora de pensamentos, o que ela teria dito naquela hora foi:
- Caralho, estou super atrasada. Cadê a porra do batom?
Sim, ela mentiu. Não eram as chaves que a impediam de entrar na porcaria do carro, jogar a bolsa no banco de trás (isso se ela sem querer não a jogasse em cima do vidro e então o quebrasse [os vidros do carro não são de vidro temperado, são?] e então se atrasar um pouco mais. e sim, aquela bolsa continha material o suficiente para quebrar o vidro do carro), botar a chave no contato, mudar a marcha, acelerar e pronto. ir. Apenas ir e chegar onde quer que fosse que ela precisava. É tão fácil ir e vir hoje em dia e a desgraçada perdia tempo por não encontrar o batom. Mas ela está certa. Ficou duas horas sentada na sala de cinema, comendo pipoca, engordurando os dedos e fodendo o batom. Ela tem a obrigação de se retocar. Ela precisa. pre-ci-sa. daquele batom. É urgente, gente. Socorro.
Esse tipo de gente não está muito percebendo as pessoas a sua volta. Elas andam pelos lugares mais lotados e estão sempre compenetradas no interior de suas bolsas, no tecladinho do seu celular ou em coisas mais. Preocupadas com algo, sempre, e não conseguem ver o mundo. Vêem, mas não observam. Apenas passam. A verdade é que elas só olham pra atravessar porque senão elas podem morrer. E quando dirigem elas só olham para ver se o caminho está livre porque atropelar alguém não seria nada legal, muito pior mesmo seria bater o carro, e então elas prestam atenção. O mínimo, mas prestam. E toda atenção vai embora, claro, como sempre, depois de alguns drinks, e aí vocês sabem o que acontece. Obrigado por morrerem em seus acidentes cinematográficos, queridos. Nós, jornalistas, agradecemos pois afinal, sem a sua grandiosa morte não teríamos uma matéria para redigir.
A verdade é que a tia da maxibolsa deveria carregar uma bolsa menor porque então ela juntaria menos tralha e seria fácil pra ela encontrar o seu batom e estar pronta para ir onde ela precisava ir. E sendo mais fácil se maquear, talvez ela não estaria tão atrasada e ela não precisaria mentir e o grande momento seria: ela saindo do cinema, andando tranqüila com sua bolsa pequena no ombro, os lábios bem pintados, a chave do carro na mão e o telefone em silêncio guardado num bolsinho especial, as outras pessoas do shopping estariam todas apressadas e ela olharia para elas e pensaria "quanta pressa, gente! calma, o mundo há de esperar", e um grande sorriso no seu rosto, o ar condicionado é perfeito, o chão brilha de tanta limpeza, as lojas emanam músicas-ambiente super relaxantes, e nas vitrines tudo é tão barato, sempre 50% off. E ai, que mundo lindo! Ela sentaria no seu carro e colocaria a bolsa no banco do carona, se olharia no espelho retrovisor. O batom perfeito. Dedos sem gordura, lábios lindos, cabelo penteado. No relógio a hora é apenas números que orientam a sua rotina, e não mais aqueles monstros em forma de numeral que gritam VOCÊ ESTÁ ATRASADA, ACELERE! e que mudam rapidamente como uma cronômetro de uma bomba. Ela chegaria sem estar atrasada, limpa e radiante.
"É fácil facilitar as coisas, gente. Parem com isso. Parem com tudo. Pára, por favor. Pára."
Hoje em dia ela é palestrante em um grupo de apoio a mulheres que não sabem organizar as suas vidas, mas sempre chega atrasada.
Marcadores: fictício
1 Comentários:
não sei dizer mais nada a isso, a não ser um grande sorriso. mesmo grande!
tenho orguho de você, di.
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial