segunda-feira, 11 de maio de 2009

Fim de semana

Era tarde, a tarde na verdade, e após seu telefonema, ela foi até seu quarto, procurou entre seus cds e encontrou um especial. Colocou pra tocar bem alto. Queria prolongar o bem-estar que a voz dele lhe causava.
E funcionou.
Mesmo sonhou acordada, pensando nele, enquanto a mesa balançava com as batidas. Um incensário de metal barato pulando e agregando seu som agudo àquela melodia num piano desligado. Som grave, parecido com o batuque do seu coração, que batia forte.

Descalça no piso gelado sentia um certo frio, arrepio. Roupas de ficar em casa, as melhores. O cabelo sujo preso num rabo de cavalo solto, uns fios caindo. Mesmo assim se sentia amada.

Já se passava um mês e ele ainda dizia coisas fofas, bregas até. E seu dia só valia quando ouvia-o dizer "minha querida". Na verdade, não.
Seus dias passavam normalmente, era bons. Ela acordava cedo, tomava um banho pra despertar, ia pro trabalho. No almoço, ria com as amigas. No fim do expediente caminhava até sua casa e gosta mesmo do pôr-do-sol. O céu laranja, às vezes lilás, bem bonito de se ver. Chegava em casa, ligava a tv, colocava uns chinelos, um short, cozinhava e comia em frente a tv, pra depois um cigarro e dormir. No sofá. Até que acordava sem querer - mas sempre na mesma hora, automática - e ia pra cama. Sonhava todas as noites e se orgulhava de lembrar. Sua analista dizia ser mesmo uma grande coisa.
Gostava dos sonhos mais inusitados, como quando sonhou que voava em um tubo de colgate. Mania de higiene, disse na análise. A psicóloga riu.

Estava ali quase que dançando, sentindo o chão frio, quando o telefone tocou de novo.

- Alô, filha?
- Oi mãe...
- Seu irmão bateu o carro.

Juntou meia duzia de roupas, jogou-as numa mochila e saiu. Metrô, rodoviária, ônibus, casa dos pais. Seu irmão mais velho e também mais irresponsável havia batido o carro no que na verdade teria sido um acidente, quando um ônibus bateu no carro dele. Me fechou, ele disse. Tinha quebrado uma perna e arranhado o peito e os braços. Nada de demais, também. Chegou a pensar que sua mãe havia feito drama só pra tê-la em casa no final de semana. Péssima idéia teria sido pois amanhã ela iria sair com ele. O fofo. Foi então que sentada na cozinha resolveu ligar pra ele.
A casa da sua mãe tinha o mesmo chão frio que o seu apartamento. Já estava descalça, como sempre passou durante sua adolescência. Pegou um café na cafeteira, sentou-se à mesa. Do celular vermelho deu a noticia. Amor, amanhã não vai rolar. Meu irmão sofreu um acidente, tô na casa dos meus pais, volto na segunda feira, um beijo e a gente se fala.

Se sentiu triste. Ele, desapontado, não foi fofo. Esqueceu de dizer tudo bem minha querida e ela não se sentiu bem. De repente o piso era gelado demais e na sua cabeça todas as lembranças e motivos de ter saído de casa voltaram. Porque seu irmão não ajudava em nada e ela sempre tinha que fazer tudo, e porque sua mãe não permitia a devida liberdade, fumava no banheiro, pintava as unhas na escola pra depois tirar o esmalte no ônibus de volta pra casa, shorts coisa de safada, cabelo sujo desleixada. Enfim, revoltou-se. Subiu pro que fora seu quarto, deitou-se no sofá-cama reservado às visitas e dormiu.
Para esperar o final de semana acabar e ter de volta o aconchego de seu apartamento e as palavras de carinho de seu grande amigo amado.

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